quarta-feira, 10 de junho de 2015

E nasce o João

Toda gravidez de segundo filho nunca começa com o positivo, sempre começa com sua relação com a primeira gravidez, primeiro parto (ou não-parto), com idealizações e frustrações. A minha primeira gravidez foi mágica, sem nenhuma intercorrencia, foi desejada e esperada, foi plena. O parto não existiu, optamos por uma cesarea assim que começasse o trabalho de parto por causa da apresentação pélvica do Mateus, que se prolongou a gestação toda apesar de inúmeros exercícios, acupuntura e rezas. Apesar de escolhida e consciente isso não retirou a dor do luto por não ter parido, a tristeza de não ter sido eu a responsável por colocar meu filho no mundo... o nascimento do meu primeiro filho trouxe o maior amor que eu pude experimentar e junto com ele um puerpério pesadíssimo. Em meio a esse puerpério busquei ajuda em grupos de apoio ao parto, queria entender os processos de superação de uma cesarea indesejada, queria estudar mais e buscar alterativas caso tivesse uma segunda gestação pélvica (meu maior medo já que minha irmã teve duas cesareas justamente por duas gestações pelvicas). Não tenho como negar que encontrei muitas mulheres do bem nessa busca, fiz amigas pra vida toda, no entanto me deparei com uma face que eu não esperava... fui banida de dois grupos de apoio virtuais, fui chamada de "mãezinha", quando contei minha história, me disseram pra eu procurar "meu grupo de menas"... aparentemente não soava bem dizer em publico que, baseada nas informações que eu tinha na época, eu tinha sim escolhido uma cesarea. Eu nunca entendi porque eu deveria ter vergonha ou negar as minhas escolhas.... aparentemente meu relato não "ajudava a empoderar", inventaram que eu tinha feito uma cesarea eletiva e como topo do bolo me tornei persona non grata no grupo presencial da minha cidade. E foi aí que eu percebi que eu estava fazendo errado... estava buscando apoio de fora quando na verdade o apoio deveria vir de dentro, de mim, eu deveria estar feliz com minhas escolhas e não precisava de grupo para validar isso. Mais de um ano se passou após esse entendimento e eu ter me retirado dos grupos e veio a segunda gravidez. Dessa vez eu sabia o tipo de assistencia que eu buscava e onde iria parir. Comecei meu pré natal com a Bernadette Bousada, anjo que - talvez sem saber - me ajudou enormemente mesmo antes de nos conhecermos pessoalmente. Com ela o pré natal seguiu tranquilo, sem alterações e sempre com ótimas e relaxantes conversas mensais... mas eu iria parir em casa e precisava de uma equipe. Após alguma pesquisa (não são muitas as opções), escolhi a equipe que acreditava que me deixaria mais a vontade no meu trabalho de parto, eu já sabia como eu queria parir. Sozinha. Quieta. Sem estranhos me olhando, sem ninguém encostando em mim, sem nada. Ouvi muitas criticas à isso também. "Você vai sentir falta de uma doula"; "Você vai precisar de apoio", me diziam. Mas eu não queria, eu não me sentia a vontade com a ideia de outras pessoas presenciando meu trabalho de parto... Durante uma das consultas de pre natal a Bernadette perguntou "E aí? Encontrou a equipe perfeita?", eu dei um suspiro e disse que não, que na verdade queria estar sozinha mas que sabia que não era seguro. Eis que surgiu a luz "porque vc não pede para a equipe ficar em outro comodo???". Nossa, como eu não pensei nisso antes!!!!! NA consulta seguinte com as parteiras nós combinamos que elas não ficariam no mesmo comodo que eu, a menos que fossem solicitadas durante o trabalho de parto e que só fariam o monitoramento necessário. Expliquei como eu me sentia com a ideia de pessoas me olhando. Perguntei se meu marido poderia aparar nosso filho. Elas concordaram prontamente com tudo. Não havendo nenhum problema elas só precisariam monitorar o bebe e podiam me deixar com meu marido. Agora sim eu tinha a equipe perfeita. Invisível. Os dias se passavam e nenhuma contração diferente. Minha equipe viajaria para o SIAPARTO quando eu completasse 41 semanas e após isso eu teria um parto hospitalar. Passei a madrugada do dia 19/05 para o dia 20/05 acordada pensando nisso. Como eu faria se passasse de 41 semanas? Era tão possivel e ao mesmo tempo tão inimaginável pra mim parir em um hospital. Como eu ficaria dois dias sem meu filho mais velho? Eu pensava em indução, descolamento de membranas, parto desassistido... eu não queria nem entrar no hospital. Com 39+5, no último dia do sol em touro, Mateus resolve acordar mais cedo que de costume. Levantamos antes das 8h, um sol gostoso de outono e eu sentei no chão pra tomar meu chá e papear com as amigas pegando os raios de sol que entravam pela janela. Lá pelas 10 horas comecei a sentir umas contrações leves, como cólicas, mas diferentes das contrações de treinamento. Contei para algumas amigas e pro meu marido, mas eram leves, suportáveis.... meu marido pediu pra eu contar e avisar pra ele saber se saía do plantão ou não. Não queria contar. As amigas insistiram, eu estava sozinha. Tinha receio de mobilizar todo mundo num alarme falso, mas baixei a aplicativo e falei que contaria enquanto pintava a unha, para me distrair. Como acordamos cedo, meu filho mais velho dormiu no sofá, e eu pude ter umas horas de paz. Comecei a pintar e contar e no meio do caminho achei que um banho seria melhor pra ver se as colicas paravam. Terminei o banho por volta de 11h e enviei o padrão de contração para meu marido e as parteiras. Intervalos variando de 3/5/7 minutos e duração de 30/40s. Meu marido resolveu que terminaria o mais urgente no trabalho e viria pra casa.Saí do banho e fui dar um cafune no meu filhote que dormia no sofá, ainda estava sentada com meu filho dormindo no meu colo e conversando quando as contrações começaram a ficar mais fortes, estava incomodo ficar na mesma posição, levantei, meu filho acordou chateado, fiquei nervosa, constatei que estava sozinha com uma criança pequena e entrando em trabalho de parto e tive medo. Medo de não aguentar a dor, de entrar na partolandia, de perder o controle sobre mim, do meu filho não lidar bem com tudo e quem ficaria com ele??? Chorei com minhas amigas no telefone. Resolvi me distrair e sentei na bola de pilates, meu filho diz: "ecaaaa" olho pra baixo e vejo muco, fui no banheiro me limpar e sai o tampão com sangue... felicidade é uma coisa engraçada e em meio a tudo eu fico feliz de ver muco e sangue. Avisei às parteiras e ao meu marido, que me disse que já estava no taxi a caminho. Isso me tranquilizou e eu resolvi pegar o mais velho e ir com ele pro chuveiro pra distrair e aliviar... já passava de 12:30 quando meu marido chegou, pedi pra ele tirar o Mateus do chuveiro que eu estava cansada e com frio, pedi toalhas e edredons. Morria de frio e as minhas pernas tremiam, não conseguia ficar em pé direito durante as contrações. Nessa hora a dor estava bem forte, eu estava irritada, maldita dor que nao passava em posição nenhuma. Tentei a bola, o chuveiro, de quatro, de cocoras, em pé e absolutamente tudo doía, perguntei ao meu marido como fazer pra suportar a dor, falei que estava com medo de ficar o dia todo assim, não estava bom. Meu marido sorriu e me acalmou, ia dar tudo certo. Resolvi ouvir meu corpo e ceder à vontade de deitar (estava relutante pois sempre ouvi que deitada doia mais), aceitei que se eu fosse passar o dia todo daquela maneira eu precisava descansar, tinha passado uma noite em claro e levantado muito cedo. Deitei, estava com frio, fechei o quarto todo e fui descansar, meu marido foi arrumar as coisas da casa para o trabalho de parto, dar almoço para nosso filho e cuidar da casa enquanto eu descansava. Por volta de 13h chegou uma amiga-anjo, que iria fotografar o trabalho de parto, conversar, distrair e comer os quitutes que eu tinha encomendado para esse dia feliz... ou pelo menos assim eu imaginava. Ela foi me ver no quarto e eu tive dó dela, era muito cedo, ainda ia demorar, avisei a ela que ela podia ir embora se demorasse muito... ela riu pra mim. Eu quis conversar com ela, pedi pra ela me contar dos partos dela, mas ela começou e minha perna tremia, e eu só queria ficar deitada. Avisei que ia deitar mais um pouco. Me senti confortável na cama e as dores ficaram suportáveis, tentei vocalizar durante as contrações, gritar, pra tentar extravasar a energia, mas não funcionou, eu me cansava, sentia falta de ar então durante a contração eu respirava fundo e esperava elas passarem. "Eureka" pensei. Encontrei a posição perfeita e a maneira de descansar enquanto elas vinham. Pronto, assim eu poderia passar meu trabalho de parto em paz e me preparei psicologicamente para o aumento das dores. Fiquei ali, sozinha, confortável, em paz, respirando fundo e curtindo meu inicio (assim eu acreditava) de trabalho de parto. Eram umas 14:30 quando meu marido entrou no quarto para perguntar se eu precisava de algo e eu pedi pra ele ficar um pouco comigo, ele me fez carinho, me acalentou e segurou forte minha mão nas contrações que se seguiram.. até que em uma delas PLOC a bolsa estourou. Avisei a ele, que sugeriu que eu me levantasse para colocar toalhas secas embaixo de mim, ele avisou as parteiras e elas respondera que estavam vindo ao meu encontro, quando eu levantei muita água desceu e outra contração veio me arrebatar. Reclamei da péssima idéia que tinha sido ficar em pé "esqueceu que doi mais assim????" eu resmunguei e fui me abaixando de quatro na cama para deitar novamente. Não deu tempo. Outra contração, vontade de fazer força. A dor foi embora, uma vontade enorme de fazer força e uma queimação grande entraram no lugar. Me assustei, como assim vontade de fazer força? Ta errado isso, ta muito cedo, vou me rasgar toda, "Da pra ver alguma coisa? Já dilatei tudo???" eu perguntei ao meu marido.... e mais uma vez cedi ao que meu corpo pedia. Fiz força. Uma contração, saiu a cabeça com uma circular de cordão. Pedi pro meu marido não encostar em mim, tudo ardia. Outra contração e saiu o corpo. E como um relampago, as 15:15 nascia o meu João. Da maneira como eu desejava mas nem nos meus melhores sonhos poderia supor que seria assim, intenso dessa forma. Veio direto para o meu colo, sem medo, as dores cessaram magicamente e estávamos plenos. Meu marido estava em paz, tranquilo e eu estava plena. Um chorinho leve ecoou pela casa e trouxe meu filho mais velho e minha amiga-anjo que estavam na sala brincando. Sim, tinha nascido. Ficamos lambendo a cria em paz, na cama, todos juntos. Uma hora depois chegaram as parteiras para ajudar na dequitação da placenta e fazer as avaliações. Nasceu meu bebezão, 3610kg e 50 cm sem eu precisar levar nenhum ponto, sem precisar de nenhum toque, de nenhuma intervenção, nem ninguém colocar a mão, nem em mim e nem nele. Fizemos todo o trabalho juntos. João me ensinou a calma e a confiança. Seja bem vindo.